Quadrilha vendia por cerca de R$ 90 mil vagas em faculdades de medicina
Vestibular do UNICEUMA, em São Luís, foi alvo da quadrilha.
Segundo o Ministro da Educação, os
alunos envolvidos sofrerão punições acadêmica.
Uma
quadrilha agia em seis estados brasileiros, vendendo vagas de Medicina, a
carreira mais concorrida do país. Não precisava nem estudar: era na base do
pagou, passou. A reportagem é de Giuliana Girardi e Walter Nunes.
A oferta era
clara.
Homem: Tudo primeiro lugar é nosso. A
gente arrebenta tudo que é prova.
De um esquema
ilegal.
Mulher: As faculdades que a gente
coloca é porque a gente sabe que o aluno não vai ser
pego.
E quem topava pagava
caro.
“A vaga numa faculdade de medicina
custava entre R$ 60 mil e R$ 90 mil”, afirma o delegado da Polícia Federal
Alexandre Braga,
“Você vê uma pessoa que não merece
passando na sua frente, é horrível isso”, diz um estudante de
medicina.
O jovem não quis mostrar o rosto por
medo: foi convidado a participar de um esquema fraudulento, mas diz que recusou.
No ano passado, ele prestou vestibular em seis faculdades em busca de um sonho:
estudar medicina, a carreira mais concorrida do país.
Para quem se prepara a sério para as
provas, a concorrência dos fraudadores é desleal.
“Você vai prestar um vestibular que é
50 candidatos por vaga, na verdade é 100 candidatos por vaga. Porque metade das
vagas são vendidas”, conta o estudante. “É comum. Todo mundo sabe. O ponto
eletrônico é o que mais oferece.”
Aparelhos eletrônicos escondidos,
estudantes despreparados e dezenas de milhares de reais comprando o que não
deveria estar à venda. Vale tudo para entrar em algumas faculdades de Medicina
no Brasil.
Uma dessas quadrilhas, descoberta no
interior de São Paulo, vendia vagas em seis estados: São Paulo, Mato Grosso do
Sul, Piauí, Maranhão, Goiás e Rio de Janeiro. Por telefone, eles negociavam com
pais e candidatos.
Mulher: A gente faz isso há 15 anos
já.
O Fantástico mostra essas conversas
com exclusividade. Em um telefonema, uma mulher apresenta o golpe para um
pai..
Mulher: O senhor tem uma filha,
né?
Pai:
Exatamente.
Mulher: Isso. Ela quer medicina,
né?
Pai:
Medicina.
Mulher: Eu tenho
Fernandópolis.
Pai:
Fernandópolis?
Mulher:
Interessa?
Pai:
Interessa.
Mulher: A gente pode colocar ela ou
em Fernandópolis ou em Taubaté.
A vendedora faz
propaganda.
Mulher: É uma coisa impressionante.
Não tem como não entrar. Vai fazer a prova tranquilamente. Vai dar pra passar o
gabarito completo e não tem risco para o aluno.
Agora é que vem a
conta.
Pai: E valor?
Mulher: Então, o valor está 60
mil.
Fechado o acordo, os candidatos
recebiam treinamento. Mas não era para as matérias que caem no vestibular. Era
para a fraude.
Homem: Eu vou dar para o menino um
ponto de escuta. Ele é maior um pouco que a cabeça de um cotonete, ele é de
silicone, ele é transparente. Vai ensinar tudo como se usa, como não se
usa.
A polícia apreendeu com o grupo
pontos eletrônicos. Quem usava tinha que esconder todos os fios e o receptor de
sinal. Colocar tudo embaixo da blusa, da camisa, para nada aparecer. Aí o
candidato colocava o ponto eletrônico, ficava bem escondido também, para receber
todas as instruções.
Quando a fiscalização apertava, o
ponto não era usado. As respostas chegavam por mensagens de celular, lidas no
banheiro em aparelhos escondidos. As informações corretas eram encaminhadas por
estudantes de medicina que faziam parte da quadrilha. Eles receberam um apelido
no grupo: pilotos. Cabia a eles resolver as provas.
Mulher: São 10 gênios fazendo as
provas lá dentro. Geralmente, eles gabaritam tudo.
“São pessoas às vezes com o QI acima
da média. Especializadas em determinadas matérias e fazem a prova muito
rapidamente e transmitem os gabaritos”, explica o delegado da Polícia Federal
Alexandre Braga.
É o que mostra outro trecho, gravado
após uma prova da Uniceuma, no Maranhão, em novembro de
2011.
Estudante:
Fala.
Homem: Anote bem aí. A partir da
16.
Estudante:
Manda.
Homem: 16, letra B.
Bola.
Estudante:
Bola.
Homem: 19,
C.
Na quadrilha, cada um tinha uma
tarefa. Alguns negociavam com os pais e os candidatos. Eram chamados de
corretores. E outros tinham a missão de treinar os alunos. Os treinadores
explicavam o passo a passo do golpe. Ensinavam os estudantes a usar o ponto
eletrônico e os códigos do celular. Essa conversa foi gravada antes do
vestibular da Uniara, em Araraquara, no interior de São Paulo, em
2011.
Mulher: Tá
pronta?
Estudante: Tô. Quer fazer o
teste?
Mulher: Estamos fazendo agora. Tá
montada já?
Estudante: Tô
montada.
Mulher: Então, você troca a bateria
do pontinho. Se não chegar pelo ponto, vai chegar pela
mensagem.
Em um vídeo, um dos treinadores sai
de um hotel em São Paulo depois de dar as instruções.
No dia da prova, cada piloto resolvia
as questões de apenas uma matéria, para garantir o maior número de acertos
possível. Eles saíam rapidamente da sala. Em seguida passavam os gabaritos por
telefone para uma central em Goiânia.
Imagens mostram três pilotos reunidos
depois de uma prova na Faculdade Anhembi Morumbi, em São Paulo, em dezembro de
2011.
As respostas eram mandadas para uma
quarta categoria de fraudadores: os assistentes. E eram eles que repassavam tudo
para os vestibulandos envolvidos.
Para a polícia, o coordenador do
grupo é Luciano Cançado, médico, clínico geral, de 39 anos. Luciano tinha
alugado uma casa em um bairro de classe média de Goiânia, onde morava e também
se reunia com os integrantes da quadrilha, segundo a polícia. Eles definiam os
detalhes do esquema de fraude. Procuramos o doutor Luciano em dois endereços que
aparecem nos relatórios da polícia. Ninguém nos atendeu.
Luciano Cançado trabalha como médico
no Hospital Municipal de Jaraguá, cidade que fica a mais de 100 quilômetros de
Goiânia.
Giuliana Girardi, repórter do
Fantástico: Doutor Luciano Cançado está dando plantão hoje aqui? Ele já foi
embora?
Funcionário: Não sei se ele está
descansando.
Em seguida, a direção do hospital
confirmou que ele já tinha ido embora. Ligamos para
Luciano.
Giuliana: Segundo a Polícia Federal
de Araraquara, você era o chefe. Você nega isso?
Luciano: Eu nego, Giuliana, eu nego.
Eu vou mandar o meu advogado te ligar.
De acordo com o diretor do hospital,
no dia seguinte à conversa, Luciano Cançado pediu demissão.
O advogado dele, Sérgio Miranda de O.
Rodrigues, falou ao Fantástico. “A defesa vai aguardar a conclusão do inquérito
para se apontar quais são os fatos especificamente apontados ao meu cliente para
que então possa se posicionar. Não há participação, não há comprovação de venda
do meu cliente em vagas de medicina”, disse ele.
A polícia diz que tem provas
suficientes. Extratos bancários com depósitos na conta de Luciano e confissões
de integrantes da quadrilha.
“Nós tínhamos o mentor, a pessoa que
desenhou, arquitetou esse esquema, sediada em Goiânia. Um médico em Goiânia”,
diz o delegado.
Além de Luciano, a polícia prendeu os
corretores, os assistentes, os pilotos e os treinadores. Ao todo, 15
envolvidos.
Eles estão sendo investigados desde
2011. O Dr. Luciano já foi detido duas vezes. No fim do ano passado ele foi
preso em outra operação de venda de vaga em vestibular.
Luciano e o seu grupo estão em
liberdade. Eles já foram indiciados e devem responder por três
crimes.
“Pelo estelionato, pela divulgação de
segredo, de sigilo de concursos públicos ou vestibulares e a formação de
quadrilha”, detalha o delegado Alexandre Braga.
Em Goiânia, procuramos quatro
indiciados por pertencer à quadrilha: o casal Marcos José Nunes de Souza e Ana
Cândida Lima Souza, Filipe Marquez Belo e Melina de Souza Medeiros. Fomos aos
endereços que constam no relatório da polícia. Não encontramos ninguém. Por
telefone, eles não quiseram falar.
O Fantástico entrou em contato também
com outros oito acusados: Jovina Cecília da Silva Gonçalves, Annie Jackieline
Montenegro de Souza e Silva, Lara Cristina de Souza Cançado - irmã de Luciano -,
João Paulo Rosilho, Carlos Eugênio Batista Meireles, Alisson Patrício Roque,
Letícia Aguiar Milhomens e Leonardo Borges da Silva. Mas eles não quiseram se
manifestar.
Nossas equipes não encontraram outros
dois envolvidos, Clarianne Silva Leite e Ewerton Alves
Alagia.
Segundo a Polícia Federal, não há
evidências de que as faculdades fossem coniventes com o esquema. Mas pode ter
havido falhas na fiscalização.
“O principal elemento que levava as
quadrilhas a intervir contra os certames em universidades particulares era a
precariedade do sistema de segurança deles”, explica Alexandre
Braga.
Em nota, as universidades de Rio
Verde, Estácio de Sá, Anhembi-Morumbi e Uninove dizem que usam "detectores de
metal" nas provas.
As universidade de Franca e Gama
Filho afirmam que, se constatada a fraude, expulsarão os alunos
envolvidos.
O centro universitário Uninovafapi e
a universidade Ceuma informam que recolhem todos os aparelhos eletrônicos
durantes os exames.
A São Camilo afirma que "toma todas
as precauções para evitar fraudes nos processos
seletivos".
A Uniara informa que "revisa
constantemente os procedimentos de sigilo e combate às
fraudes".
O grupo Anhanguera Educacional, ao
qual a Uniderp pertence, diz que "mantém forte esquema de
fiscalização".
A empresa Access, que faz o
vestibular da Faculdade Souza Marques, informa que anulou a prova de 42 alunos
identificados com fraudes no vestibular de medicina em
2011.
A polícia está fazendo um
levantamento agora dos alunos que estão cursando medicina ou já se formaram, mas
que foram aprovados porque compraram as vagas. Eles também vão responder
criminalmente.
“Que direito tem um cidadão de
comprar uma vaga quando dois milhões estão de forma democrática, republicana, se
preparando, estudando, disputando pra poder entrar?”, pergunta o Ministro da
Educação, Aloizio Mercadante.
Segundo o Ministro da Educação, os
alunos envolvidos sofrerão também punições acadêmicas: “Eles vão ser todos
identificados, vão ser expulsos da faculdade, os que eventualmente ainda
estejam, e se forem formados terão seus diplomas cassados. Porque toda a vida
acadêmica deles é uma fraude”.
Conversas do grupo mostram que muita
gente pode ter sido aprovada. Os fraudadores debochavam de quem era
reprovado.
Homem: Murilo. Desclassificado porque
não conseguiu tirar nem 3 na redação.
Homem 2: Que
horror.
Homem: Ezequiel. Desclassificado
porque não tirou nem 2 na redação.
Nem sempre o esquema fraudulento dava
certo. Um candidato chegou a ser detido pela polícia, que encontrou o ponto
eletrônico durante uma prova da Uniara, em Araraquara, em São Paulo, em outubro
de 2011. É a mãe dele que conta a história para a mulher com quem negociou a
vaga.
Mãe de estudante: Você não sabe,
Jacke. Queriam levar a gente no camburão. Esperaram ele terminar a prova. Veio
todo mundo da reitoria. Pegou ele. Levaram numa sala. Olha, esse menino foi de
peito, viu, Jacke?
Mulher: Ô.
Mãe de estudante: Ele não aguentava
aquele negócio no ouvido. Ele enfiou até o fundo o negócio pra ninguém
ver.
Ela relata como ajudou o filho a se
livrar dos equipamentos da fraude.
Mãe de estudante: O reitor falou
assim: "Não, não. Você vai pegar seu carro". Nisso, fiz uma limpa no carro.
Piquei celular, piquei papel. Tudo que tinha nome, sabe? Aí, ele: "Ai, mãe, tô
com dor de barriga”. Nisso, ele arrancou o colar. Esparadrapo, tudo. Jogou na
privada e deu o colar pra mim.
Apesar da confusão, no mesmo
telefonema, as duas combinam o esquema para o candidato em mais uma
prova.
Mulher: Com certeza, ele vai entrar
em Mato Grosso. Não tem vistoria, não tem nada. Ah, outra coisa. A redação tem
peso zero.
Para o Conselho Federal de Medicina,
os estudantes e médicos envolvidos nas fraudes devem ser
punidos.
“É um caso prioritariamente de
polícia. É importante para nós médicos como ele entrou. Porque é o caráter dele
que está em jogo. É a questão ética do médico que comprou uma vaga”, afirma
Desiré Callegari, secretário do Conselho Federal de
Medicina.
“Ele não está disputando uma vaga,
ele está comprando uma vaga, tirando o sonho de muita gente mais capaz que ele”,
acusa um estudante
Segundo o Ministro da Educação, os
alunos envolvidos sofrerão punições acadêmica.
Uma
quadrilha agia em seis estados brasileiros, vendendo vagas de Medicina, a
carreira mais concorrida do país. Não precisava nem estudar: era na base do
pagou, passou. A reportagem é de Giuliana Girardi e Walter Nunes.
A oferta era
clara.
Homem: Tudo primeiro lugar é nosso. A
gente arrebenta tudo que é prova.
De um esquema
ilegal.
Mulher: As faculdades que a gente
coloca é porque a gente sabe que o aluno não vai ser
pego.
E quem topava pagava
caro.
“A vaga numa faculdade de medicina
custava entre R$ 60 mil e R$ 90 mil”, afirma o delegado da Polícia Federal
Alexandre Braga,
“Você vê uma pessoa que não merece
passando na sua frente, é horrível isso”, diz um estudante de
medicina.
O jovem não quis mostrar o rosto por
medo: foi convidado a participar de um esquema fraudulento, mas diz que recusou.
No ano passado, ele prestou vestibular em seis faculdades em busca de um sonho:
estudar medicina, a carreira mais concorrida do país.
Para quem se prepara a sério para as
provas, a concorrência dos fraudadores é desleal.
“Você vai prestar um vestibular que é
50 candidatos por vaga, na verdade é 100 candidatos por vaga. Porque metade das
vagas são vendidas”, conta o estudante. “É comum. Todo mundo sabe. O ponto
eletrônico é o que mais oferece.”
Aparelhos eletrônicos escondidos,
estudantes despreparados e dezenas de milhares de reais comprando o que não
deveria estar à venda. Vale tudo para entrar em algumas faculdades de Medicina
no Brasil.
Uma dessas quadrilhas, descoberta no
interior de São Paulo, vendia vagas em seis estados: São Paulo, Mato Grosso do
Sul, Piauí, Maranhão, Goiás e Rio de Janeiro. Por telefone, eles negociavam com
pais e candidatos.
Mulher: A gente faz isso há 15 anos
já.
O Fantástico mostra essas conversas
com exclusividade. Em um telefonema, uma mulher apresenta o golpe para um
pai..
Mulher: O senhor tem uma filha,
né?
Pai:
Exatamente.
Mulher: Isso. Ela quer medicina,
né?
Pai:
Medicina.
Mulher: Eu tenho
Fernandópolis.
Pai:
Fernandópolis?
Mulher:
Interessa?
Pai:
Interessa.
Mulher: A gente pode colocar ela ou
em Fernandópolis ou em Taubaté.
A vendedora faz
propaganda.
Mulher: É uma coisa impressionante.
Não tem como não entrar. Vai fazer a prova tranquilamente. Vai dar pra passar o
gabarito completo e não tem risco para o aluno.
Agora é que vem a
conta.
Pai: E valor?
Mulher: Então, o valor está 60
mil.
Fechado o acordo, os candidatos
recebiam treinamento. Mas não era para as matérias que caem no vestibular. Era
para a fraude.
Homem: Eu vou dar para o menino um
ponto de escuta. Ele é maior um pouco que a cabeça de um cotonete, ele é de
silicone, ele é transparente. Vai ensinar tudo como se usa, como não se
usa.
A polícia apreendeu com o grupo pontos eletrônicos. Quem usava tinha que esconder todos os fios e o receptor de sinal. Colocar tudo embaixo da blusa, da camisa, para nada aparecer. Aí o candidato colocava o ponto eletrônico, ficava bem escondido também, para receber todas as instruções.
Quando a fiscalização apertava, o ponto não era usado. As respostas chegavam por mensagens de celular, lidas no banheiro em aparelhos escondidos. As informações corretas eram encaminhadas por estudantes de medicina que faziam parte da quadrilha. Eles receberam um apelido no grupo: pilotos. Cabia a eles resolver as provas.
Mulher: São 10 gênios fazendo as
provas lá dentro. Geralmente, eles gabaritam tudo.
“São pessoas às vezes com o QI acima
da média. Especializadas em determinadas matérias e fazem a prova muito
rapidamente e transmitem os gabaritos”, explica o delegado da Polícia Federal
Alexandre Braga.
É o que mostra outro trecho, gravado
após uma prova da Uniceuma, no Maranhão, em novembro de
2011.
Estudante:
Fala.
Homem: Anote bem aí. A partir da
16.
Estudante:
Manda.
Homem: 16, letra B.
Bola.
Estudante:
Bola.
Homem: 19,
C.
Na quadrilha, cada um tinha uma tarefa. Alguns negociavam com os pais e os candidatos. Eram chamados de corretores. E outros tinham a missão de treinar os alunos. Os treinadores explicavam o passo a passo do golpe. Ensinavam os estudantes a usar o ponto eletrônico e os códigos do celular. Essa conversa foi gravada antes do vestibular da Uniara, em Araraquara, no interior de São Paulo, em 2011.
Mulher: Tá pronta?
Estudante: Tô. Quer fazer o
teste?
Mulher: Estamos fazendo agora. Tá
montada já?
Estudante: Tô
montada.
Mulher: Então, você troca a bateria
do pontinho. Se não chegar pelo ponto, vai chegar pela
mensagem.
Em um vídeo, um dos treinadores sai
de um hotel em São Paulo depois de dar as instruções.
No dia da prova, cada piloto resolvia
as questões de apenas uma matéria, para garantir o maior número de acertos
possível. Eles saíam rapidamente da sala. Em seguida passavam os gabaritos por
telefone para uma central em Goiânia.
Imagens mostram três pilotos reunidos
depois de uma prova na Faculdade Anhembi Morumbi, em São Paulo, em dezembro de
2011.
As respostas eram mandadas para uma
quarta categoria de fraudadores: os assistentes. E eram eles que repassavam tudo
para os vestibulandos envolvidos.
Para a polícia, o coordenador do
grupo é Luciano Cançado, médico, clínico geral, de 39 anos. Luciano tinha
alugado uma casa em um bairro de classe média de Goiânia, onde morava e também
se reunia com os integrantes da quadrilha, segundo a polícia. Eles definiam os
detalhes do esquema de fraude. Procuramos o doutor Luciano em dois endereços que
aparecem nos relatórios da polícia. Ninguém nos atendeu.
Luciano Cançado trabalha como médico no Hospital Municipal de Jaraguá, cidade que fica a mais de 100 quilômetros de Goiânia.
Giuliana Girardi, repórter do
Fantástico: Doutor Luciano Cançado está dando plantão hoje aqui? Ele já foi
embora?
Funcionário: Não sei se ele está
descansando.
Em seguida, a direção do hospital confirmou que ele já tinha ido embora. Ligamos para Luciano.
Giuliana: Segundo a Polícia Federal
de Araraquara, você era o chefe. Você nega isso?
Luciano: Eu nego, Giuliana, eu nego.
Eu vou mandar o meu advogado te ligar.
De acordo com o diretor do hospital,
no dia seguinte à conversa, Luciano Cançado pediu demissão.
O advogado dele, Sérgio Miranda de O.
Rodrigues, falou ao Fantástico. “A defesa vai aguardar a conclusão do inquérito
para se apontar quais são os fatos especificamente apontados ao meu cliente para
que então possa se posicionar. Não há participação, não há comprovação de venda
do meu cliente em vagas de medicina”, disse ele.
A polícia diz que tem provas
suficientes. Extratos bancários com depósitos na conta de Luciano e confissões
de integrantes da quadrilha.
“Nós tínhamos o mentor, a pessoa que
desenhou, arquitetou esse esquema, sediada em Goiânia. Um médico em Goiânia”,
diz o delegado.
Além de Luciano, a polícia prendeu os corretores, os assistentes, os pilotos e os treinadores. Ao todo, 15 envolvidos.
Eles estão sendo investigados desde 2011. O Dr. Luciano já foi detido duas vezes. No fim do ano passado ele foi preso em outra operação de venda de vaga em vestibular.
Luciano e o seu grupo estão em liberdade. Eles já foram indiciados e devem responder por três crimes.
“Pelo estelionato, pela divulgação de segredo, de sigilo de concursos públicos ou vestibulares e a formação de quadrilha”, detalha o delegado Alexandre Braga.
Em Goiânia, procuramos quatro
indiciados por pertencer à quadrilha: o casal Marcos José Nunes de Souza e Ana
Cândida Lima Souza, Filipe Marquez Belo e Melina de Souza Medeiros. Fomos aos
endereços que constam no relatório da polícia. Não encontramos ninguém. Por
telefone, eles não quiseram falar.
O Fantástico entrou em contato também com outros oito acusados: Jovina Cecília da Silva Gonçalves, Annie Jackieline Montenegro de Souza e Silva, Lara Cristina de Souza Cançado - irmã de Luciano -, João Paulo Rosilho, Carlos Eugênio Batista Meireles, Alisson Patrício Roque, Letícia Aguiar Milhomens e Leonardo Borges da Silva. Mas eles não quiseram se manifestar.
Nossas equipes não encontraram outros
dois envolvidos, Clarianne Silva Leite e Ewerton Alves
Alagia.
Segundo a Polícia Federal, não há
evidências de que as faculdades fossem coniventes com o esquema. Mas pode ter
havido falhas na fiscalização.
“O principal elemento que levava as
quadrilhas a intervir contra os certames em universidades particulares era a
precariedade do sistema de segurança deles”, explica Alexandre
Braga.
Em nota, as universidades de Rio
Verde, Estácio de Sá, Anhembi-Morumbi e Uninove dizem que usam "detectores de
metal" nas provas.
As universidade de Franca e Gama Filho afirmam que, se constatada a fraude, expulsarão os alunos envolvidos.
O centro universitário Uninovafapi e
a universidade Ceuma informam que recolhem todos os aparelhos eletrônicos
durantes os exames.
A São Camilo afirma que "toma todas
as precauções para evitar fraudes nos processos
seletivos".
A Uniara informa que "revisa
constantemente os procedimentos de sigilo e combate às
fraudes".
O grupo Anhanguera Educacional, ao
qual a Uniderp pertence, diz que "mantém forte esquema de
fiscalização".
A empresa Access, que faz o
vestibular da Faculdade Souza Marques, informa que anulou a prova de 42 alunos
identificados com fraudes no vestibular de medicina em
2011.
A polícia está fazendo um
levantamento agora dos alunos que estão cursando medicina ou já se formaram, mas
que foram aprovados porque compraram as vagas. Eles também vão responder
criminalmente.
“Que direito tem um cidadão de
comprar uma vaga quando dois milhões estão de forma democrática, republicana, se
preparando, estudando, disputando pra poder entrar?”, pergunta o Ministro da
Educação, Aloizio Mercadante.
Segundo o Ministro da Educação, os
alunos envolvidos sofrerão também punições acadêmicas: “Eles vão ser todos
identificados, vão ser expulsos da faculdade, os que eventualmente ainda
estejam, e se forem formados terão seus diplomas cassados. Porque toda a vida
acadêmica deles é uma fraude”.
Conversas do grupo mostram que muita
gente pode ter sido aprovada. Os fraudadores debochavam de quem era
reprovado.
Homem: Murilo. Desclassificado porque
não conseguiu tirar nem 3 na redação.
Homem 2: Que
horror.
Homem: Ezequiel. Desclassificado
porque não tirou nem 2 na redação.
Nem sempre o esquema fraudulento dava certo. Um candidato chegou a ser detido pela polícia, que encontrou o ponto eletrônico durante uma prova da Uniara, em Araraquara, em São Paulo, em outubro de 2011. É a mãe dele que conta a história para a mulher com quem negociou a vaga.
Mãe de estudante: Você não sabe,
Jacke. Queriam levar a gente no camburão. Esperaram ele terminar a prova. Veio
todo mundo da reitoria. Pegou ele. Levaram numa sala. Olha, esse menino foi de
peito, viu, Jacke?
Mulher: Ô.
Mãe de estudante: Ele não aguentava
aquele negócio no ouvido. Ele enfiou até o fundo o negócio pra ninguém
ver.
Ela relata como ajudou o filho a se
livrar dos equipamentos da fraude.
Mãe de estudante: O reitor falou assim: "Não, não. Você vai pegar seu carro". Nisso, fiz uma limpa no carro. Piquei celular, piquei papel. Tudo que tinha nome, sabe? Aí, ele: "Ai, mãe, tô com dor de barriga”. Nisso, ele arrancou o colar. Esparadrapo, tudo. Jogou na privada e deu o colar pra mim.
Apesar da confusão, no mesmo
telefonema, as duas combinam o esquema para o candidato em mais uma
prova.
Mulher: Com certeza, ele vai entrar
em Mato Grosso. Não tem vistoria, não tem nada. Ah, outra coisa. A redação tem
peso zero.
Para o Conselho Federal de Medicina,
os estudantes e médicos envolvidos nas fraudes devem ser
punidos.
“É um caso prioritariamente de
polícia. É importante para nós médicos como ele entrou. Porque é o caráter dele
que está em jogo. É a questão ética do médico que comprou uma vaga”, afirma
Desiré Callegari, secretário do Conselho Federal de
Medicina.
“Ele não está disputando uma vaga,
ele está comprando uma vaga, tirando o sonho de muita gente mais capaz que ele”,
acusa um estudante
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