segunda-feira, 26 de março de 2018

12x36 A (in)constitucionalidade da jornada especial

12x36 A (in)constitucionalidade da jornada especial 

Por Lucas Mantovani, associado ao IEAD.


Apesar de ser considerada uma jornada especial, adotada como exceção à regra, não são raros os casos de categorias inteiras de trabalhadores laborarem na conhecida jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso. Como exemplo, citemos o caso dos vigias, enfermeiros, bombeiros[1] etc.
Nesse contexto, é de se ressaltar a marcante alteração introduzida pela Reforma Trabalhista (Lei13.467/2017) no ordenamento jurídico e nas relações de trabalho. Um novo artigo foi inserido na Consolidação das Leis do Trabalho[2], estabelecendo que essa jornada popular, mas excepcional, pode ser estabelecida por meio de convenção ou acordo coletivo de trabalho.
A princípio a reforma era mais agressiva, prevendo que era facultado ao empregado e seu empregador estabelecerem tal jornada por meio de mero acordo individual escrito. Pode parecer tímida, mas essa predição dava ampla liberdade às partes para que negociassem a possibilidade de fixar essa jornada sem a atuação dos Sindicatos, o que, para muitos, é extremamente perigoso.
Contudo, tal medida reformadora e completamente inédita no ordenamento jurídico brasileiro foi rechaçada fortemente pelos Sindicatos e, logo que a Reforma passou a vigorar, o Poder Executivo adotou a Medida Provisória nº 808[3], alterando provisoriamente a redação do artigo e excluindo a possibilidade de estabelecimento dessa jornada por meio de acordo individual escrito.
Ainda assim, abundam as críticas a respeito da “flexibilização” dessa jornada especial. A corrente mais forte da oposição à Reforma, no que diz respeito à jornada 12x36, radica na possível inconstitucionalidade do novel artigo, eis que estaria dando azo à violação do Direito Fundamental à Saúde, previsto no artigo , inciso XXII da Constituição Federal.
O professor e doutrinador Ney Stany Morais Maranhão nos alerta a respeito dos riscos da implementação generalizada desta jornada excepcional:
Qualquer tentativa de implantação generalizada desse regime, para toda e qualquer categoria, à revelia das específicas condições laborais vivenciadas, ainda que fruto de negociação coletiva, decerto poderá ser objeto de sério e razoável questionamento jurídico, tendo em vista a complexa discussão que o assunto envolve na perspectiva dos direitos fundamentais, mormente quanto é direito do trabalhador a adaptação do tempo de trabalho e a organização do trabalho às suas capacidades físicas e mentais.
(Lei da reforma trabalhista: comentada artigo por artigo, 2017, p. 69)
O direito à adaptação do tempo de trabalho é inerente ao direito fundamental à saúde. No particular, é mister evocaro teor daConvenção nº 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1981, que em seu artigo 5º, alínea b, assim preceitua:
Art. 5 — A política à qual se faz referência no artigo 4 da presente Convenção deverá levar em consideração as grandes esferas de ação que se seguem, na medida em que possam afetar a segurança e a saúde dos trabalhadores e o meio-ambiente de trabalho:
(...)
b) relações existentes entre os componentes materiais do trabalho e as pessoas que o executam ou supervisionam, e adaptação do maquinário, dos equipamentos, do tempo de trabalho, da organização do trabalho e das operações e processos às capacidades físicas e mentais dos trabalhadores;
A Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas também já se manifestou expressamente sobre o assunto, por ocasião da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, que aprovou alguns anunciados[4] a respeito da Reforma Trabalhista. Dentre estes, o Enunciado nº 12 se destaca, pois preceitua que “tratando-se de regime de compensação de jornada, é essencial para a sua validade a previsão em acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho”.
Já o Relator da Reforma Trabalhista na Câmara dos Deputados, Deputado Rogério Marinho, justificou a alteração afirmando que “chega-se à fácil conclusão de que a jornada 12x36 é mais benéfica ao trabalhador, que labora doze horas e descansa trinta e seis horas”, concluindo que “o trabalhador labora mensalmente bem menos horas que aquele que trabalha oito horas por dia”.
Desse modo, é evidente que há controvérsias dessa jornada especial, ainda que prevista em negociação coletiva, de modo que o assunto, em breve, chegará ao Supremo Tribunal Federal, órgão de Cúpula do Poder Judiciário e guardião da Constituição Federal.
A dúvida que persiste é: a jornada de trabalho de doze horas de trabalho seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, do modo como se encontra prevista no recentíssimo artigo 59-A da CLT (independente da aprovação ou não da MP-808 pelo Congresso Nacional), será considerada constitucional? É impossível saber qual será o entendimento do STF, mas podemos fazer algumas especulações a respeito.
Importante destacar que o Tribunal Superior do Trabalho já se manifestou, em 2012, acerca dessa jornada excepcional, ainda que em um contexto diverso do que ora se propõe. Trata-se da Súmula de Jurisprudência nº 444, cuja redação, em seu inteiro teor, encontra-se abaixo enxertada:
Súmula nº 444 do TST
Jornada de trabalho. NORMA COLETIVA. LEI. Escala de 12 por 36. Validade. - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 - republicada em decorrência do despacho proferido no processo TST-PA-504.280/2012.2 - DEJT divulgado em 26.11.2012
É válida, em caráter excepcional, a jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis de descanso, prevista em lei ou ajustada exclusivamente mediante acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho, assegurada a remuneração em dobro dos feriados trabalhados. O empregado não tem direito ao pagamento de adicional referente ao labor prestado na décima primeira e décima segunda horas.
Desse modo, a Justiça do Trabalho já demonstra que o estabelecimento desse tipo de jornada, desde que previsto em lei ou negociação coletiva, é válido. Ressalte-se que a súmula nº 444 não carece de retificações para se amoldar à nova redação da lei de regência, ao menos enquanto a MP 808 não for deliberada e votada pelo Congresso Nacional.
Como dito, ainda que seja difícil prever qual será o entendimento do STF, é possível perceber o caminho que a jurisprudência daquela Corte tem seguido nos últimos anos.
Um exemplo disso é o julgamento recente[5] da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4842, em que o STF julgou a constitucionalidade do artigo 5º da Lei do Bombeiro Civil, que vaticina que a jornada desse trabalhador é a de 12 horas trabalhadas para cada 36 horas de descanso.
Segundo consta em notícia veiculada no próprio site do STF[6] “a norma não viola preceitos constitucionais, pois, além de não ser lesiva à sua saúde ou a regras de medicina e segurança do trabalho, é mais favorável ao trabalhador”.
Cite-se a ementa do Acórdão[7] exarado, in verbis:
EMENTA: DIREITO DO TRABALHO. JORNADA DO BOMBEIROCIVIL. JORNADA DE 12 (DOZE) HORAS DE TRABALHO POR 36 (TRINTA E SEIS HORAS) DE DESCANSO. DIREITO À SAÚDE (ART. 196DA CRFB). DIREITO À JORNADA DE TRABALHO (ART. 7º, XIII, DACRFB). DIREITO À PROTEÇÃO CONTRA RISCO À SAÚDE DOTRABALHADOR (ART. XXII, DA CRFB).
1. A jornada de 12 (doze) horas de trabalho por 36 (trinta e seis) horas de descanso não afronta o art. XIII, da Constituição daRepública, pois encontra-se respaldada na faculdade, conferida pelanorma constitucional, de compensação de horários.
2. A proteção à saúde do trabalhador (art. 196 da CRFB) e à reduçãodos riscos inerentes ao trabalho (art. XXII, da CRFB) não são “ipso facto” desrespeitadas pela jornada de trabalho dos bombeiros civis, tendoem vista que para cada 12 (doze) horas trabalhadas há 36 (trinta e seis) horas de descanso e também prevalece o limite de 36 (trinta e seis) horasde jornada semanal.
3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.
É certo que o julgamento na ADI nº 4842 já sinaliza qual é o caminho a ser trilhado pela Corte, indicando que referido artigo vai ser recepcionado como constitucional, mesmo que entre controvérsias aguerridas dos interlocutores sociais.
A despeito disso, é evidente que se trata apenas de uma previsão a que se chega quando cotejados os recentes entendimentos jurisprudenciais, de modo que a tendência é que a jornada excepcional em questão seja difundida e ampliada para mais categorias além das poucas que já adotavam esse regime de jornada antes do advento da Reforma Trabalhista.
A ciência social é volátil, pois é impossível prever para onde a vontade dos indivíduos irá se voltar. Mas não é errado dizer que essa jornada especial apenas será adotada quando for mais vantajoso para o mercado e para as pessoas, empregados ou empregadores, considerando as especificidades de cada categoria. No mais, só o tempo irá nos mostrar os efeitos da flexibilização da jornada 12x36 nas relações de trabalho.

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